terça-feira, 31 de agosto de 2010

O mapa da leitura no Brasil

Revista CP Geografia - 30/08/2010


Todos os estabelecimentos de ensino do Brasil – os públicos e os privados – devem ter uma biblioteca. Isso, que até pouco tempo atrás era só um desejo, agora virou lei, sancionada em maio pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e já está em vigor. A aplicação da nova lei pode mudar o mapa brasileiro da leitura, traçado pela pesquisa Retratos da Leitura do Brasil. O levantamento, no qual 77 milhões de brasileiros admitem que não são leitores (enquanto outros 95 milhões, ou 55% dos brasileiros, declaram ter lido pelo menos um livro nos últimos três meses), mostra uma situação terrivelmente desigual.

De acordo com esse mapa da leitura, elaborado a partir do estudo encomendado pelo Instituto Pró-Livro, 45% dos leitores brasileiros estão na região Sudeste, onde seis em cada dez habitantes se confessam leitores. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste estão os menores números de leitores do país – 8%, 25% e 7%, respectivamente. Na região Sul, estão 14% dos leitores brasileiros.

Os índices de leitura – 4,7 livros lidos por habitante/ano pela população acima de cinco anos de idade, em contraste com a média de 1,8 encontrada em 2001 entre os brasileiros acima de 15 anos e pelo menos três de escolaridade – também se diferenciam de acordo com as regiões do Brasil. O Sudeste e o Sul aparecem na frente, enquanto que o Nordeste e Norte ficam na rabeira. Também estão nessas regiões, proporcionalmente aos índices verificados por pesquisas do IBGE e um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pedido do Ministério da Cultura, os piores déficits de bibliotecas públicas.

“As mesmas desigualdades sociais encontradas em outras áreas infelizmente se reproduzem na questão da leitura, o que é, sem dúvida, uma grande dificuldade para combater as desigualdades verificadas em quesitos como renda per capita, nível de salários e qualidade de vida”, afirma o diretor do Observatório do Livro e da Leitura, Galeno Amorim, que coordenou a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.

O escritor gaúcho Jéferson Assumção observa que os atuais retratos da leitura do Brasil resultam da história da colonização do País. Ele lembra que autores como Sérgio Paulo Rouanet e Renato Ortiz já apontavam problemas educacionais e de valor simbólico na prática da leitura entre os brasileiros.

No capítulo que escreveu para o livro Retratos da Leitura do Brasil, publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e Instituto Pró-Livro, e organizado por Galeno, Assumção descreve que a relação dos brasileiros com o livro é recente e “herdeira de uma história bastante problemática”.
“Enquanto na França de 1890 cerca de 90% dos habitantes eram alfabetizados, e na Inglaterra de 1900 este número chegava a 97%, em Portugal havia apenas de 20% a 30% de alfabetização no mesmo período, ou seja, pouco menos de cem anos”, descreve ele. Na última década do século 19, o índice de analfabetismo no Brasil era de 84%.

Atual secretário de Cultura de Canoas (RS), Assumção observa que a miscigenação proporcionada pela colonização dá riqueza cultural expressa em cores, sons e movimentos. No Brasil só a pouco mais de 200 anos deixou de ser proibida a impressão de livros. A imprensa, aliás, desembarcou com a família real, em 1808, e restringia-se à fabricação de documentos e livros oficiais.

Além da herança histórica, a formação de leitores sofreu o impacto da ditadura militar, na avaliação de David Plank, autor da obra Política Educacional no Brasil: Caminhos para Salvação da Pátria. A reforma educacional daquele período eliminou dos currículos escolares disciplinas como francês, latim, filosofia e sociologia – as duas últimas voltaram a ser ministradas em 2007.

“A educação virou ensino, adestramento para a formação de mão de obra para aquecer o desenvolvimentismo capitalista brasileiro”, complementa Jerfferson Assumção. Esse perfil da educação brasileira fez a formação de leitores depender exclusivamente de esforços individuais, que não têm força para produzir o volume de leitores críticos dos quais o Brasil precisa.

Direito

Para Galeno Amorim, que coordenou a criação, em 2006, do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), do Ministério da Cultura e Ministério da Educação, é fundamental que o Estado brasileiro trate a questão da leitura um direito de cidadania. “O acesso aos livros e a outros suportes de leitura, via bibliotecas públicas, deve ser encarado como um serviço público de natureza essencial”, defende Galeno, ao apontar a necessidade de enraizar mais as políticas públicas do livro e leitura, a partir da instituição de Planos como o PNLL, nos estados e municípios.

Galeno Amorim também aponta a necessidade da criação urgente de uma ampla e vigorosa política nacional de revitalização das bibliotecas públicas, sejam elas municipais, escolares, universitárias ou comunitárias. “Somente políticas públicas permanentes, a partir de uma mobilização da sociedade e a pressão dos agentes sociais, é que podem enfrentar esse quadro da desigualdade no acesso e na prática da leitura, que perpetua e mesmo aprofunda das outras desigualdades sociais”, afirma Galeno.

“O conhecimento, a autonomia intelectual e a capacidade transformadora que gera fazem da prática de leitura uma questão de cidadania”, observa o diretor do Observatório do Livro e da Leitura, que em 2005 comandou no Brasil as comemorações do Ano Ibero-americano da Leitura, o Vivaleitura, que mobilizou 100 ações, entre projetos e programas, e é considerado um marco na virada que está ocorrendo nesse tema nesta década no País.

A questão, adverte Galeno, no que é apoiado pelo ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, de quem foi secretário municipal da Cultura em Ribeirão Preto (SP), é que o País dificilmente conseguirá alcançar bons índices econômicos sem investir em conhecimento. “Nem um país do mundo, entre os desenvolvidos, chegou a esta condição sem ter resolvido, antes, a questão do acesso à cultura e à educação de qualidade”, observa Palocci. “O acesso aos livros, portanto, é um direito que o Estado tem de garantir”, defende Galeno.

Segundo o IBGE, no início da década, existiam 1300 bibliotecas públicas no país. A lei que determina a implantação das bibliotecas é fruto dos esforços empreendidos por meio do PNLL, que conseguiu ampliar os recursos destinados pelo Ministério da Cultura de R$ 6 milhões, em 2003, para os cerca de R$ 180 milhões atuais. “Para alterar o mapa da leitura no Brasil é necessário muito investimento, sobretudo em educação”, diz Galeno Amorim.

Afinal, uma parcela considerável das pessoas que não leem no País justifica que não o fazem por não serem alfabetizadas. Esses – 15% segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – não conhecem as letras. Outros 7% são analfabetos funcionais, ou seja, declaram que não leem por não compreenderem a maior parte do que está escrito. O levantamento também revelou que a dificuldade de acesso está entre as principais razões para não lerem entre aqueles que já são leitores. 18% justificaram falta de dinheiro e 15% falta de bibliotecas.

Na cidade de Passos (MG), foi justamente a existência de uma biblioteca pública que fez de Benedita Imaculada Bastos uma leitora voraz. Ela vive em Divisa Nova, cidade de apenas 5 mil habitantes, no Circuito das Águas, em Minas Gerais, e já perdeu a conta de quantas vezes foi a uma biblioteca. A Ilha do Tesouro foi o primeiro livro que leu, há 40 anos. E nunca mais parou.

“Leio no quarto, antes de dormir e quando acordo de madrugada, pego o livro de novo”, diz. Ela vê novelas, mas lê nos intervalos comerciais. “Sou muito caseira, minha companhia são os livros”, afirma a mulher, que trabalha como doméstica há mais de três décadas para a mesma família e estudou até a 4ª série do ensino fundamental.

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